galeria Portugal_Áfricas

imagens, sons & narrativas

A GALERIA PORTUGAL_ÁFRICAS: imagens, sons & narrativas convida criadores de diferentes práticas e linguagens artísticas a participarem da investigação proposta em torno da ligação entre Portugal e os países e culturas africanos. Tomando em conta a acessibilidade, plasticidade e intermedialidade dos suportes e das redes digitais, acreditamos que este pode ser um espaço favorável a uma arte uma arte investigativa e atuante, interessada em experimentar a travessia de fronteiras, no plano da intermedialidade e da interculturalidade. A partilha do imaginário é condição e efeito da cultura que nele se alicerça desde sempre, através de arquétipos e de lugares comuns, indispensáveis à construção da memória e da identidade coletivas, mas também através das artes, que o reinventam e transformam em profundidade.

O imaginário da ligação entre Portugal e os países e culturas africanos esteve durante muito tempo capturado por um regime oficial de imagens e por uma determinada cultura visual - a do Portugal colonial - que têm vindo a ser redescobertos e desconstruídos por diversas investigações, muitas delas de cariz artístico.

Este movimento de desarquivamento e rememoração, que é também artístico, impede o esquecimento de uma história de violência, e permite também a complexificação desta memória, através de uma aproximação aos fenómenos da descolonização, das independências e do “retorno”.

Por efeito de novas migrações, dos processos da globalização, dos meios e das redes digitais, e também da dimensão cada vez mais significativa da afrodescendência no Portugal contemporâneo, emergem por sua vez novos sons, novos imaginários e novas narrativas na paisagem cultural portuguesa e também na dos países africanos.

Este contexto, marcado pela pós-memória e por novos entrosamentos entre as culturas portuguesa e africanas, vai revelando um presente decididamente intercultural, que obriga ao reconhecimento e valorização de novas formas de identidade, assentes na diversidade cultural.

Há um trabalho de rememoração que é próprio das musas ou das artes, mas que transcende o problema do esquecimento ou da lembrança, na medida em que se aventura na imaginação de novas realidades. Estes produtos da criação e da imaginação agem no mundo com a mesma força da realidade, abrindo-a a novas configurações. O aprofundamento do imaginário é por isso uma contra-força da ideologia e das visões totalitárias que sempre procuram capturá-lo para exercer a sua violência na história.

/ 2016

"O Outro quando (não) estamos a olhar"

Conjunto de obras originais produzidas para a Galeria “Estórias: Portugal _ Áfricas” com curadoria de Ana Rito

Versão Expositiva
Biblioteca FCT-UNL

26nov-27jan
2016/2017

#[artistas]

> AFRICA, 2016

A africanidade é, no meu caso, essencial, é algo que conforma tudo aquilo que eu sou.

“I left my soul in Africa”. Assim começa AFRICA (2016) de António Olaio. Por entre um conjunto de peças herdadas (e também adquiridas) pelo artista, reminiscentes de uma estória familiar vivida em Angola, lugar desconhecido e não vivido, abandonado ainda muito criança, firma-se a paisagem –“lugar da imaginação”, experienciado em diferido, fantasmaticamente revisitado pela memória e pela ficção, capaz de abstractizar relações, imagens e sons. A câmara movimenta-se num registo quasi-hipnótico, e conduz o espectador em direcção a um “descolamento” destes objectos do passado, colocados em trânsito, a uma espécie de vórtice temporal, alicerçado na circularidade do gesto e do olhar, que se fixa, de quando em vez, numa máscara Chokwe, num crucifixo ou numa fotografia. Este arquivo pessoal, e todo o processo mnemónico que a tecnologia (vídeo) acentua e possibilita, manifesta este devir transtemporal do trans-arquivo, do mundo “a acontecer”, do presente “a actualizar-se”, da tradução de coisas vivas e mortas no seio da obra. Como o próprio artista refere: “o que aqui é autobiográfico é, de facto, ponto de partida de que as imagens se autonomizam, ponto de partida para outra ou outras coisas, (...)”; “coisas” que se libertam de constrangimentos geográficos e físicos, e se conectam aos afectos, fazendo relacionar o tempo histórico e o tempo do sujeito (indivíduo). Só assim, o presente “se actualiza” e o mundo “acontece”.

A.R.

António Olaio, artista plástico, nascido em 1963, Sá da Bandeira, Angola. Vive em Coimbra. Professor no Curso de Arquitectura e Director do Colégio das Artes da Universidade de Coimbra. Exposições individuais mais recentes: 2016 - Young people thinking about each other - Cabeças em trânsito, Galeria João Esteves de Oliveira, Lisboa 2015 – Heading West, Appleton Square, Lisboa 2013- The sorrows of electricity, Filomena Soares, Lisboa; 2012- Square feet, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra; 2011–This widow is blocking my Windows, Museu do Chiado, Lisboa ; Shall I vote for Elvis?, Teatro Municipal da Guarda ; 2010- La Prospettiva is sucking reality, Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira ; Na cátedra de S. Pedro, Museu Grão Vasco, Viseu ; 2009 - La prospettiva, Mario Mauroner, Viena ; Brrrrain, Culturgest, Lisboa ; Crying my brains out”, Filomena Soares, Lisboa ; 2007 - I think differently now that I can paint, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães; 2006 - Under the stars, ZDB, Lisboa ; 2005 - Pictures are not movies, Filomena Soares, Lisboa ; 2004 - 40 years in a plane, Kenny Schachter conTEMPorary, Nova Iorque. I’m growing heads in my head, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra ; 2003 - You are what you eat, Centro Cultural Andratx, Palma de Maiorca, 2002 - Telepathic agriculture, Galerie Schuster, Berlin e Frankfurt ; 2001 - Foggy Days in Old Manhattan, Filomena Soares, Lisboa. Colecções onde está representado: Banco Português do Atlântico, Secretaria de Estado da Cultura, Câmara Municipal de Coimbra, Universidade de Coimbra, Companhia Portuguesa do Cobre, Fundação de Serralves, Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, Museu Extremeño Ibero-Americano de Arte Contemporânea, Badajoz, Espanha, Arte Quinze Vinte e Um, Fundación Diego Santomé, Fundação PMLJ, Fundação Ilídio Pinho, Fundação EDP, Fundação Calouste Gulbenkian, Museu do Neo-Realismno, Museu do Chiado.

> Inocência, 2016

É como se uma imagem especular, uma fotografia, um cartão-postal se animassem, ganhassem independência e passassem para o presente/atual, com o risco de a imagem presente/atual voltar ao espelho, retomar lugar no cartão-postal ou na fotografia, segundo um duplo movimento de libertação e de captura.

Inocência (2016), de Délio Jasse, situa-se entre o documento (fotografias de arquivo) e o monumento, numa ambivalência essencial, onde um rosto (retrato) é tornado espectro, impresso na paisagem, diluído na sobreposição da matéria, dos químicos, das películas, das “peles”, das superfícies. Este circuito mais estreito entre o objecto (a fotografia) e a memória conduz a um ponto de indiscernibilidade, constituído pela coalescência entre imagens, entre temporalidades distintas. Mas a indiscernibilidade entre presente e passado, é uma característica de algumas imagens existentes, as quais são duplas por natureza. Tais imagens são especulares, pois há uma diferenciação entre o real e o virtual, onde cada imagem ostenta a sua referência espelhada, seja no presente, no passado ou em direcção ao futuro. Isso ocorre, também, com a noção de imagem-cristal, na qual o presente, o passado e o futuro coexistem e se cristalizam, entrando num circuito que nos leva de um a outro, como se formassem uma única e mesma “cena”. Poderíamos ainda dizer que as imagens de arquivo procedem da memória-imagem (ou recordação), mas tornam-se imagem-cristal, pois expõem a indiscernibilidade entre o presente e o passado. Assim, a imagem de arquivo, num primeiro momento, assemelha-se à memória-imagem, pois possui uma marca interna do passado; mas ao ser observada pelo espectador (e manipulada pelo artista) transforma-se em imagem-cristal, especular, indiscernível. Da mesma forma está o arquivo e no foco da relação entre os dois (imagem-cristal e arquivo) está a duração. Portanto, mais do que dar a ver o tempo em dois “fluxos”, na imagem de arquivo o cristal desvela três fundamentos “escondidos” no tempo, ou seja, o do presente que passa, o do passado que se mantém e o do futuro que está por vir.

A.R.
Esta obra foi realizada a partir de elementos do arquivo “Estórias: Portugal-Áfricas”

Délio Jasse, nasceu em Luanda, em 1980. Em 2014 foi nomeado para o Prémio BES Photo / Novo Banco Photo, tendo exposto nesse âmbito no Instituto Tomie Ohtake, São Paulo, Brasil e no Museu Berardo, em Lisboa. Em 2009 foi o vencedor do Prémio Anteciparte, tendo exposto o seu trabalho no Museu doOriente em Lisboa. Expõe regularmente desde 2008, destacando-se as exposições individuais Terreno Ocupado, Pontus e Schegen, na Baginski, Galeria/ Projectos (2014, 2012 e 2010);Identidade, Causas e Efeitos, Arte Contempo, Lisboa (2010); e as colectivas Present Tense, na Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, e no Centro Calouste Gulbenkian, Paris, com curadoria de António Pinto Ribeiro; 9ª Edição dos Encontros de Bamako, no Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa; Open Monument, Kunstraum Kreuzberg Bethanien, Berlim; Ghostbuster II, SAVVY Contempoary, Berlim, todas em 2013; Bamako Encounters: Pan-African Photography, Tour & Taxis, Bruxelas;Paisagem Humana#15, BES Arte & Finança, em Lisboa, ambas em 2012; a participação na Bienal de Bamako, no Mali; Parasol Project no Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian; Arte Lusófona Contemporânea, Galeria Marta Traba, São Paulo, Brasil; Idioma Comum: Artistas da CPLP na Colecção Fundação PLMJ, Lisboa, (2011); A Museum is to Art what a great Translator is to a Writer, na Baginski, Galeria/ Projectos; participação na Trienal de Luanda; Vestígios, Pavilhão 27, em Lisboa (2010); INPUT, no Museu Nacional de História Natural (SIEXPO), em Luanda, Angola.deliojasse.com

> Casa portuguesa, 2016

Casa portuguesa (2016), de Mónica de Miranda, assenta na realização de um apontamento fotográfico e gráfico (em díptico), e ainda videográfico, de uma série de casas construídas pela população africana, em bairros periféricos da zona da Grande Lisboa. Este ensaio procura registar a ocupação, a construção e a destruição da “casa”, num discurso alicerçado em noções, várias, de pertença, comunidade e identidade (relacional, via Edouard Glissant, Poetics of Relation, 1990). Estamos diante de não-lugares, anónimos, paisagens com estória(s), reservas da imaginação. E é precisamente a não-lugares, que a artista vai recorrer para criar uma espécie de “geografia de afectos”, desterritoralizando paisagens, com a única finalidade de as reterritoralizar de volta, mas agora no plano da construção/trabalho da memória, colocada em trânsito. Ora, a errância ou o nomadismo, a casa e o díptico (como metáfora do espelho, da dualidade, ambiguidade) são recorrentes na obra de Mónica de Miranda, que, em Casa Portuguesa, parece cruzar todas estas dimensões/elementos, convocando um olhar atento sobre a passagem do(s) tempo(s), dos seus traços e brechas. O esqueleto gráfico da casa fotografada (e filmada) remete-nos tanto para a invisibilidade das estruturas da memória e do pensamento (interior) como para as texturas e matérias (exterior), a evidência do tempo “a acontecer”.

A.R.

Monica de Miranda (Porto, 1976) Licenciada em Artes Plásticas na Camberwell College of Arts (Londres, 1998) Mestre em Artes e Educação do Instituto de Educação (Londres, 2001), e doutora em artes visuais da Middlesex University (Londres,2014), como bolseira da Fundação de Ciência e Tecnologia. Actualmente Mónica desenvolve um projecto de investigação artística no Centro de Estudos comparatistas da Universidade de Lisboa entitulado "pos -arquivo" (2015-2018). Mónica de Miranda foi uma das fundadoras da Rede “Triangle Network” em Portugal, respectivamente coordenou as residências artísticas "360º contexto eproceso"(2015), "Offline" (2013), "Transitante" (2012), "Home and Abroad" (2010). Mónica foi a fundadora do centro de investigação artística Hangar (Lisboa, 2014). Das suas exposições individuais destacam-se: Field trip – Novo banco Photo, Museu Berardo,2016, "Hotel Globo" (Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, Lisboa, 2015) "Arquipélago" (Galeria Carlos Carvalho, Lisboa, 2014), "Erosion" (Appleton Square, Lisboa, 2013), An Ocean Between us( Plataforma Revólver, Lisboa 2012), "Once upon a time" (Carpe Diem, Lisboa, 2012), "Novas geografias"(198 Gallery, Londres / Plataforma Revólver, Lisboa / Imagem HF, Amsterdam, 2007-2008). Suas exposições colectivas incluem: The city in the blue daylight, Bienal de Dakar , 2016 "Telling Time" (Rencontres de Bamako Bienal Africaine de la Photographie 10 edição éme, Bamako, 2015); "Ilha de São Jorge" (14ª Bienal de Arquitetura de Veneza, Veneza 2014); "Line Trap" (Bienal de São Tomé e Príncipe, 2013); "An Ocean Between Us" (Paris Foto, Paris / Arco, Madrid, 2013); “Hetero Q.B” (MNAC, Lisboa 2013);"Do Silêncio Ao Outro Hino" (Centro Cultural Português, Mindelo, Praia, Cabo Verde 2012); , "L'Art est un sport de combat" (Musée des Beaux Arts de Calais, França, 2011), "This location" (Mojo galeria, Dubai, 2010), "She Devil" (Studio Stefania Miscetti, Roma 2010), "Mundos Locais" (Centro Cultural de Lagos / Allgarve, Portugal, 2008), "Do you hear me " (Estado do mundo, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2007)," United Nations"(Singapura Fringe Festival, em Singapura, 2007). Mónica de Miranda participou em várias residências, tais como: Artchipelago (Instituto Francês, Maurícias, 2014), Erosion (Zero point Gallery, Mindelo, 2013), “Hotel Trópico” ( Luanda, 2012)," Once upon a Time (Capacete, Rio de Janeiro, 2012), "Verbal Eyes" (Tate Britain, Londres, 2009); "Muyehlekete" (Museu Nacional de Arte, Maputo, 2008), "Living Together" (British Council / inIVA, Georgia / London, 2008). Recebeu apoio da Fundação Calouste Gulbenkian para o projecto Hotel Globo (2014), da Africa.cont para o seu projecto" Once upon a Time" (2013), da DGArtes e Diversity arts Forum(London) para o projecto “Underconstruction” (2009) e do Instituto Camões para o projecto “Novas Geografias” (2008). A sua obra esta representada em coleções privadas e públicas tais como: MNAC, Centro cultural de Lagos, Arquivo fotográfico de Lisboa. As suas Publicações incluem : Underconstruction, Lisboa (2009), Video Arte e Filmes de Arte e Ensaio em Portugal, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa(2009), Cartography : Artists + Maps, Princeton Architectural Press, Nova Iorque, (2008),Emotional geographies, A.space , INIVA, Londres, (2007), Guru, tourist and Globalization,Fundação do Oriente, Lisboa, (2007), New Geographies, Londres, (2007).

> VAALIE#0265, 2016

Os cosmonautas tinham vivido com a lua: desenhado e rasurado atlas lunares, aprendido e reescrito a geologia, lido as teorias dos vulcanistas e dos homens dos impactos. provavelmente, haviam também meditado sobre tudo isso na sua privacidade. durante o sono, os significados da lua estavam ocultos em todas as cavernas dos seus sonhos. para eles, a lua tanto poderia ser um corpo morto como uma terra anã.

VAALIE#0265 (2016), de Raquel Melgue, configura-senuma paisagem auto-biográfica, que cruza a ficção científica africana e a construção de um imaginário alicerçado na fantasia. Interpretado por Sónia Baptista, o enredo oscila entre imagens captadas em estúdio, excertos de documentários da National Geographic e alusões a filmes como Afronauts (2014), de Frances Bodomo, Space is The Place (1972), escrito por Sun Ra e realizado por John Coney, Crumbs (2015), de Miguel Llansó, Outlaw of Gor (1989), de John Cardos e Les Saignantes (2005), de Jean-Pierre Bekolo. A artista procura a criação de uma nova cosmologia, reminiscente de um complexo mapa de inter-relações que se estabelecem no campo dos afectos, das memórias e dos vazios (de referências, de interlocutores). Também o texto, escrito e dito, resulta das múltiplas intersecções entre dimensões estruturantes da sua prática: virtuais, corpóreas, tecnológicas e performáticas; também a voz transfere, para o plano da construção de mundos e de subjectividades, esta realidade disruptiva. E é nestes interstícios, nestes poliedros da memória, que o afronauta “reescreve a geologia e o significado da lua”, num cenário sussurrante, onde, pelas palavras da artista, parece dizer ao ouvido: “ao dia dois seis cinco não acreditar no amor mas descobrir que o amor é autobiográfico/ e então, perguntar-lhe como foi (...?) / e ele calou-se/ muitos anos depois ainda não fala sobre. mas: a memória mostra sinais de não dizer nada. talvez o mindinho acéfalo tenha vindo dele, que não fala/ cabeça em mercúrio-retrógrado e não mostra as marcas/ mas sabe-se que havia uma faca debaixo da almofada e que noites seguidas (muitos muitos anos depois) rebolava para debaixo da cama e ali ficava de cabeça tapada,transconsciente.”

A.R.

Raquel Melgue (Porto, 1985) obteve em 2012 o Mestrado em Artes Visuais Intermédia Digital pelo Departamento de Artes Visuais e Design da Universidade de Évora, após ter obtido em 2007 a Licenciatura em Artes Visuais - Pintura pelo mesmo estabelecimento de ensino. Expõe desde 2007, tendo participado em diversas exposições individuais e colectivas. O seu trabalho desenvolve-se essencialmente nas áreas da fotografia, vídeo e performance. No presente ano (2016) apresenta, em colaboração com Mariana Gomes, exposição homónima no Espaço Triângulo da Galeria Diferença em Lisboa, apresentando também, em colaboração com Marta Caldas, “•“ no Museu Geológico em Lisboa. No ano passado (2015) apresentou individualmente “ME” na Kubikgallery no Porto e “ME ISTLI00M”no Espaço Quadrado da Galeria Diferença, em Lisboa. Participou ainda na colectiva “Identidades: Variáveis Convergentes” na Casa-Museu Abel Salazar no Porto. Em 2014 expôs individualmente “JLELN-27” no projecto A Montra em Lisboa, e “YL0NM-13”no Espaço Kubíkulo, no Porto. Participou também nas colectivas “Arte e Ciência” no Museu Nacional de História Natural e da Ciência e na exposição “Arte Hoje” na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa. Em 2013 expôs individualmente “A Horse With No Name” no Centro Cultural de Ponte de Sôr e participou na colectiva “The Age of Divinity”, na Plataforma Revólver em Lisboa. Em 2012 expôs individualmente “A Hiperteca Akaísta” na Galeria de Arte de Abrantes. Em 2011 participou no Festival dos Oceanos com a performance “Experiência ao Vivo de Imersão Iconofonográfica” inserida na exposição individual de Pedro Portugal, “Gabinete da Politécnica: O Importantário Estetoscópico”, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa. Em 2007, seleccionada para o prémio AIAS - Prize of Honour em Zurique, Suiça.Artista representada pela Kubikgallery, Porto. www.raquelmelgue.com

> Retrato Vivo, 2016

mas as séries ou as hipóteses de série continuam; e dentro de cada uma os desenhos rimam; assim como podem entre si diversamente rimar desenhos de séries diferentes. (...) é a montagem e a diferença entre os desenhos quem sugere essa ideia de fronteiras que aparecem intensas e intransponíveis; como se a cada desenho fechasses os olhos e os reabrisses para o próximo e ao mesmo tempo esse movimento a espaçoste impusesse ver não o desenho mas o múltiplo.

Retrato Vivo (2016), de Vasco Araújo, resulta de uma colaboração entre o artista e algumas turmas de 7º, 8º e 9º ano, da Escola Secundária Ferreira Dias no Cacém, no âmbito da disciplina de Educação Visual. Foi realizado um exercício de observação e representação gráfica do colega, a construção de um retrato “olhos nos olhos”. Esta relação de espelho traduziu-se, ainda, num exercício de escrita, onde as palavras deveriam, por sua vez, descrever e definir a pessoa retratada (estas são posteriormente gravadas e transformadas em voz-off pelos próprios). A identidade, enquanto processo em aberto, inacabado, expressa-se aqui enquanto montagem, enquanto “rima de séries diferentes”, procurando precisamente a polifonia e o diverso. Partindo de um “arquivo vivo”, Vasco Araújo, apresenta-nos este “outro” em directo, cujas falas fazem reverberar as tensões entre quem olha e quem é olhado. Fechar os olhos, reabri-los e fixar os espaços entre os desenhos, entre as imagens; fechar os olhos, uma e outra vez, e escutar as vozes que fazem estilhaçar os espelhos, e dos estilhaços recolher os reflexos que impõem ver, não o desenho, mas o múltiplo.

A.R.

Vasco Araújo, nasceu em Lisboa, em 1975, cidade onde vive e trabalha. Em 1999 concluiu a licenciatura em Escultura pela FBAUL., entre 1999 e 2000 frequentou o Curso Avançado de Artes Plásticas da Maumaus em Lisboa. Desde então tem participado em diversas exposições individuais e colectivas tanto nacional como internacionalmente, intregando ainda programas de residências, como Récollets (2005), Paris; Core Program (2003/04), Houston. Em 2003 recebeu o Prémio EDP Novos Artistas. Das exposições individuais destacam-se : “Decolonial desires”, Autograph ABP, Londre, U.K. (2016); “Potestad”, MALBA - Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, Buenos Aires, Argentina.(2015); “Under the Influence of Psyche”, The Power Plant, Toronto (2014); “Debret”, Pinacoteca do Estado de S. Paulo, S. Paulo (2013); “Avec les voix de l’autre”, Musée d’art de Joliette, Joliette (2011); « Mais que a vida », Fundação C. Gulbenkian/ CAM, Lisboa e MARCO, Vigo (2010) ; “Eco” Jeu de Paume, Paris (2008); “Vasco Araújo: Per-Versions”, the Boston Center for the Arts, Boston (2008); About being Different (2007), BALTIC Centre for Contemporary Art, U.K.; Pathos (2006), Domus Artium 2002, Salamanca; Dilemma (2005), S.M.A.K., Gent; L’inceste (2005), Museu do Azulejo Lisboa; The Girl of the Golden West (2005), The Suburban, Chicago; Dilema (2004), Museu de Serralves, Porto; Sabine/Brunilde (2003), SNBA, Lisboa. Nas exposições colectivas destaque para a participação na “All that Falls”, Palais de Tokyo, Paris (2014); “Investigations of a Dog”, Fondazione Sandretto Re Rebaudengo, Turim (2009); "Everything has a name, or the potential to be named", Gasworks, Londres (2009); “Em Vivo Contacto”, 28º Bienal de S. Paulo, São Paulo (2008); “Artes Mundi, Wales Internacional Visual Art Exhibition and Prize”, National Museum Cardiff, Cardiff (2008); “Kara Walker and Vasco Araújo: Reconstruction”, Museum of Fine Arts, Houston, (2007); “Drei Farben – Blau”, XIII Rohkunstbau, Grobleuthen (2006); “Experience of Art”; La Biennale di Venezia. 51th International Exhibition of Art, Veneza; “Dialectics of Hope”, 1st Moscow Biennale of Contemporary Art, Moscovo, (ambas em 2005); Solo (For Two Voices), CCS, Bard College (2002), Nova Iorque; “The World Maybe Fantastic” Biennale of Sydney (2002), Sydney; Trans Sexual Express, Barcelona 2001, a classic for the Third millennium (2001), Centre d’Art Santa Mònica, Barcelona. O seu trabalho está publicado em vários livros e catálogos e representado em várias colecções, públicas e privadas, como Centre Pompidou, Musée d’Art Modern (França); Museu Colecção Berardo, Arte Moderna e Contamporânea, (Portugal); Fundação Calouste Gulbenkian (Portugal); Fundación Centro Ordóñez-Falcón de Fotografía – COFF (Espanha); Museo Nacional Reina Sofia, Centro de Arte (Espanha); Fundação de Serralves (Portugal); Museum of Fine Arts Houston (EUA), Pinacoteca do Estado de S. Paulo (Brasil). www.vascoaraujo.org

#[texto curatorial]

Transtemporalidade, Trans-arquivo e Trans-memória: Paisagens mnenónicas

“Modern memory is first of all archival. It relies entirely on the specificity of the trace, the materiality of the vestige, the concreteness of the recording, the visibility of the image.”
Pierre Nora, Les Lieux de mémoire, 1984

“How are we to explain that memories return in the form of images and that the imagination mobilized in this way comes to take on forms that escape the function of the unreal? It is this double imbroglio that we must now untangle.”
Paul Ricoeur, La mémoire, l´histoire, l´oubli, 2000

Okwui Enwezor, em Archive Fever: Uses of the Document in Contemporary Art (2008), fala da existência do tempo do sujeito e do tempo do mundo “a acontecer”. No hiato entre estes dois tempos distintos, está o arquivo. E pensar este arquivo, é pensar na sua potencialidade discursiva, nas narratividades que projecta, na tradução, no eco, no trânsito, no fixo, no movente, na morte, na (re)animação, na memória, nos silêncios, nos vazios.
O que pode, então, um arquivo? Enwezor “expande” a leitura do arquivo, olhando-o como medium em si, na sua relação com a História, do qual participa enquanto documento, e com a arte contemporânea, que transforma, por sua vez, este documento em “monumento”. Ora, é nesta transitoriedade própria dos processos criativos que a presente exposição se situa, convocando uma espécie de temporalidade híbrida (Hal Foster), e propondo as noções de trans-memória e de trans-arquivo, resultantes da intercepção entre as esferas pública e privada, manifesta na reverberação trans-geracional de um acontecimento.
Aqui, é a memória (e os seus fantasmas) como duração que perpassa e faz reflectir o arquivo.
Em Memory, History, Forgetting (2004), Paul Ricoeur, via Bergson, traduz a ideia de “pura memória” em “memória-imagem”, em direcção a uma visualidade inédita.
O outro quando (não) estamos a olhar, perspectiva esta “memória-imagem”, um certo legado imagético, resultante das relações entre Portugal e África e dos seus inúmeros interlocutores, insistindo numa possibilidade poética da memória no presente contínuo e em permanente reconfiguração.

É nesta multiplicidade e abertura que o imaginário se vai instalar, transportando objetos e espaços para outros espaços, e também tempos para outros tempos.
Os desdobramentos múltiplos e reversíveis, os deslocamentos e os nomadismos que marcam os processos de intermedialidade inerentes à aliança entre as novas tecnologias e a criação artística, são aqui o medium artístico para expressar a porosidade e misceginação que marca também a cultura contemporânea no geral. Os artistas convidados, através dos seus próprios processos criativos e da interacção com a plataforma online e o arquivo, traduzem este devir migrante das identidades e das imagens.
A imagem (digital) dá lugar ao mapa. A imagem, enquanto mapa, potencia a expansão, a dilatação de um território (o mundo) em constante transformação e actualização, conectável, invertível, aberto, permeável, ilimitado, com entradas e saídas múltiplas, sendo o agente activo de uma permanente (des)territoralização e consequente (re)territoralização.
Os deslocamentos provocados pelos interstícios e pelos intervalos entre as imagens proporcionam o surgimento de novos modos de conexões, de suspensões ou de acelerações, expandindo o domínio afectivo. Este trabalho/operação entre as imagens, entre a imagem fixa e a imagem movente (por exemplo), realiza-se sob o signo do “desassossego”, desestabilizando as convicções tradicionalmente associadas aos media. Este é um “território impreciso” - lugar de transferência, de passagem, de arrebatamento e de rebatimento de todas as imagens. É esta a sua natureza: hibridizada.
A diáspora é uma condição da contemporaneidade, ou antes, a sua condição de sobrevivência.
O lugar ao qual se regressa como se regressa à infância, já não é essa revisitação do nosso próprio passado mas um acto no presente que a imagina (que a projecta), uma “paisagem”, fantasmáticamente produzida e fantasmáticamente revisitada.
Logo, a paisagem é a representação do lugar, uma ficção, uma representação em devir, definida através das relações que estabelece com outras representações, lugares, paisagens: “obra da imaginação” no mundo desterritoralizado. Neste processo sempre reversível e ininterrupto assistimos, então, ao fenómeno da desterritoralização (perda como acontecimento) e a sua consequente reterritoralização (que não é mais nunca do que o seu regresso).
Ora, para efectivar a sua índole transmigratória e rizomática, a imagem tem de se desprender de um lugar ou circunstância específicos, de modo a encontrar o seu “aqui e agora”.
A “descolonização das imagens” (Ana Balona de Oliveira, Descolonização em, de e através das imagens de arquivo “em movimento” da prática artística, 2016), a sua desterritoralização e consequente reterritorialização portanto, manifesta-se nas obras de António Olaio ou Raquel Melgue, numa viajem auto-biográfica por universos imagéticos (e sonoros) que confundem, inevitavelmente, o real e o ficcional, nas obras de Mónica de Miranda e Délio Jasse, quando estes projectam metáforas duplas, uma espécie de “geografia dos afectos”, composta por sobreposições, fantasmas, arquitecturas, paisagens e identidades.
Também Vasco Araújo trabalha a identidade, codificando-a, descodificando-a, num exercício onde o “outro” se projecta, e constroi, num “olhar apenas”.

Quando não estás a olhar é o mundo Que te olha. Nunca saberás o que vê. Obscuramente imaginas que testemunhará Por ti, mas ignoras de todo – e que importa? Onde, a que propósito e perante quem.

Para ver, é necessário olhar; mas pode-se olhar sem ver: pode-se até ver mais (para “lá”), olhando; não só recolher estímulos, decifrá-los, mas fazer imprimir o corpo na paisagem.
Olhar é fazer brotar movimentos ínfimos entre as coisas, juntá-las em unidades quase discretas, aglomerados, “dobras”, accionando na “paisagem” cortes prontamente cerrados pelas “pequenas percepções”. Pelo contrário, o ver, parece obedecer a uma espécie de “vício mental”: focaliza, delimita, organiza e pré-condiciona o acto ou a perceção visual.
O outro quando (não) estamos a olhar propõe fundamentalmente a noção de “sensação pura”, vinda da experência da memória-imagem: uma percepção visual anterior ao ver, um “olhar apenas”, que cruza tempos, espaços e os torna seus, imprimindo, então, “o corpo na paisagem”.
Um mesmo olhar que “esquece” o significando, a intenção, o sentido e fixa-se no fluxo (das imagens, das superfícies, das películas, dos ecrãs).
Substitua-se, na citação do poeta, a palavra “mundo” pela palavra “outro” e chegue-se ao âmago deste projecto, onde a identidade (vista como uma “conversa inacabada”, segundo Stuart Hall) se olha.
Assim, olhar o arquivo é olhar-se; olhar as imagens é virá-las do avesso, tê-las como espelho; olhar o outro é outrar-se.
Quando não estamos a olhar, é o outro que nos olha. Nunca saberemos o que vê.

Ana Rito, Lisboa, Novembro de 2016

#[Exposição na Biblioteca FCT (fotografias: Raquel Melgue)]

#[curadora]

Ana Rito

nasce em Lisboa no ano de 1978. É Doutorada em Belas Artes.O seu domínio de especialização centra-se nos novos media, performance e vídeo-instalação, a imagem movente e as dinâmicas do espectador, plataformas transmedia, curadoria e programação. Dos seus projectos curatoriais destacam-se a exposição SHE IS A FEMME FATALE, Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Museu Colecção Berardo, em 2009; One Woman Show, Organização do Ciclo de Filmes em colaboração com o Festival Temps d`Images, Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Museu Colecção Berardo, em 2009; SHE IS A FEMME FATALE#2, Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Biblioteca do Campus de Caparica, Almada, em 2010; OBSERVADORES – Revelações, Trânsitos e Distâncias, Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Museu Colecção Berardo, (Co-Curadores Dr. Jean-François Chougnet e Hugo Barata); CURATING THE DOMESTIC– Images@home, Trienal de Arquitectura de Lisboa, em 2013; A IMAGEM INCORPORADA/THE EMBODIED VISION –Performance para a câmara - Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado (MNAC), com co – curadoria de Jacinto Lageira, em 2014. Em 2007 apresenta a sua primeira exposição individual na Galeria MAM – Mario Mauroner Contemporary Art, em Viena, intitulada Powerfull Acrobat. No mesmo ano participa na exposição colectiva Faccia Lei, comissariada por Elena Agudio no Spazio Tetis, Arsenale, 52ª Bienal de Veneza, na mostra Beauty and the Beast, com artistas como Jan Fabre ou Bernardi Roig no Museu Residenzgalerie em Salzburgo e em I is Another com Hugo Barata, comissariada por Filipa Oliveira e Miguel Amado, na Galeria Arte Contempo, em Lisboa. Apresenta em 2010 PUPPE PROJECT, na Galeria MAM –Mario Mauroner Contemporary Art, Viena, comissariada por Fabrizio Plessi no âmbito do Festival Art&Film, There is no World when there is no mirror, Palácio Pombal ( inserida no Festival Temps d ́Images e produzida pela Fundação Calouste Gulbenkian) e participa na mostra A Culpa não é minha – Coleção António Cachola, Museu Colecção Berardo, seguida depois de O Museu em Ruínas (2011), MACE – Elvas. Em 2013 participa na exposição The Age of Divinity, Plataforma Revólver, Lisboa, com curadoria de Hugo Barata e com artistas como Jan Fabre, Ernesto de Sousa, João Onofre ou Johanna Billing; em Sincronias - Colecção António Cachola no MEIAC: Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporaneo; em O Mar: muitas marés, uma única vaga de descontentamento, Bes Art Finança, Lisboa, com curadoria de João Laia e em SINTOMA - Simpósio de Performance, Porto, com curadoria e organização de Maria de Fátima Lambert. Em 2015, destaca-se a exposição Pequenos Monumentos que atestam o início da possibilidade, na Sala do Veado – MNHNC. Em 2016 participa na Bienal de Fotografia de Vila Franca de Xira, com curadoria geral de David Santos