Seguindo o exemplo dos jornais cinematográficos portugueses, como por exemplo Actualidades Portuguesas, realizado desde 1919, bem como Jornal Português (1938-1947), Imagens de Portugal (1933-1961), Visor (1961-1975), entre outros, foram produzidos também filmes em 35mm para as colónias africanas que consistiam igualmente em um conjunto de reportagens e noticiários. Procuravam enaltecer os feitos portugueses e informar acerca dos acontecimentos políticos, também em tom ufanista. Actualidades de Angola teve suas primeiras 55 edições realizadas entre 1957 e 1961, sendo retomado em 1967 até 1975, fase em que 179 edições foram feitas. Em Moçambique foi produzido primeiro Actualidades de Moçambique, entre 1957 e 1969, e depois Visor Moçambicano (1961-1967). Além disso, houve cine jornais com duração mais curta e poucas edições, como Panorama Moçambicano (1969), Presença de Moçambique (1969), e Imagens de Moçambique (1973). O olhar colonialista nessas produções subvencionadas pelo estado português, demonstra os interesses propagandísticos. O seu discurso luso-tropicalista era responsável pela construção de um imaginário equívoco acerca de África e das suas culturas. Foram comentados de forma crítica pelo cineasta moçambicano Camilo da Sousa (apud TAYLOR, 1985) nos anos 1980:
O aspeto comum desses documentários era o ponto de vista dos colonos: como eles se perceberam a si próprios e a Moçambique. Não havia nenhuma tentativa de retratar a realidade moçambicana ou as diferenças sociais e culturais. Nem existia tentativa de produzir imagens que aprofundassem o contexto geográfico, além do valor de curiosidade. Assim, o ‘negro’ e a ’sociedade africana tradicional’ eram retratados como algo ‘exótico’ e ‘folclórico’ [...] As razões pela estratificação social não eram abordadas. O colonialismo nunca foi questionado e seu impacto profundo nunca levado em consideração.
Essa visão auto-afirmativa, seletiva e racista está preocupando investigadores contemporâneos (PAULO, 2001; VIEIRA, 2011; PIÇARRA e ANTÓNIO, 2015) e converteu-se em objeto de artistas portugueses que pesquisam nos arquivos de imagens coloniais e pós-coloniais para criarem suas obras (FERREIRA, 2016). Logo após a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974, já tinham sido elaborados alguns filmes que revisavam as imagens existentes, interrogando-as no novo contexto político da jovem democracia e desenvolvendo um olhar diferente acerca das “províncias ultramarinas”. Podem ser mencionados Deus, pátria, autoridade (1979) e Bom povo português (1981), ambos de Rui Simões. Enquanto o primeiro filme apresenta um discurso marxista focado na exploração dos operários, à qual o colonialismo é associado através de imagens da época colonial, o segundo apresenta os acontecimentos do primeiro ano após a Revolução, incluindo imagens dos primeiros passos políticos para as independências africanas.
A tradição do cinejornal foi mantida em Moçambique após a independência por meio do projeto Kuxa Kanema (O nascimento do cinema) do Instituto Nacional de Cinema (INC) que realizou entre 1975 e 1991 395 filmes nesse formato. Alguns exemplos são acessíveis em um DVD, realizado através de uma iniciativa de Ute Fendler da Universidade de Bayreuth, em cooperação com a Universidade Eduardo Mondlane, Maputo, e o Instituto Cultural Moçambique-Alemanha (ICMA). Além do mais, podem ser vistos trechos numa primeira investigação acerca do material existente no filme do mesmo nome, Kuxa Kanema, de Margarida Cardoso, de 2003. O filme mostra imagens dos cinejornais, além de oferecer entrevistas com diversos colaboradores (técnicos, realizadores, roteiristas) do INC, sendo acompanhado pela voz over da própria realizadora que tece comentários acerca da relação entre o cinejornal e a primeira década da vida da nação moçambicana cuja memória as imagens em movimento evocam. É, de fato, realizado um balanço entre os elementos positivos – a utopia de criar um novo país e um público emancipado no contexto de um regime socialista monopartidário por meio da formação de quadros para a realização audiovisual – e os negativos – a improvisação, o tom cada vez mais ideológico e, eventualmente, propagandístico. Através do material fílmico aprendemos ainda sobre o funcionamento do INC e do Cinema Móvel, que levava os cinejornais às populações.
FERREIRA, Carolin. “O drama da descolonização em imagens em movimento – a propôs do ‘nascimento’ dos cinemas luso-africanos”, Estudos linguísticos e literários, no. 54, Jan-Jul, (2016), pp. 177-221.
PAULO, Heloísa. Documentarismo e propaganda: as imagens e os sons do regime. In: TORGAL, Luís Reis (Org.). O cinema sob o olhar de Salazar. Coimbra: Temas e Debates, 2001. p. 92-116.
PIÇARRA, Mario do Carmo; ANTÓNIO, Jorge António (Org.). Angola – o nascimento de uma Nação, Vol. III: o cinema da independência. Lisboa: Guerra e Paz, 2015.
TAYLOR, Clyde. Interview with Pedro Pimente. Jump Cut, n 28, apr. , p. 30-31, 1983.
VIEIRA, Patrícia. Cinema no Estado Novo: a encenação do regime. Lisboa: Colibri, 2011.
Carolin Overhoff Ferreira
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), História da Arte