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Inclusão (2017) #Epistemologias #pobreza #migrações #diversidade

História de um conceito

O conceito inclusão é recente, ambíguo e não colhe unanimidade entre países, intelectuais, grupos sociais e indivíduos. O sociólogo alemão Nicklas Luhmann (1997) contribuiu para a sua compreensão ao utilizá-la para caracterizar as relações entre indivíduos e sistemas sociais. Esta dimensão social estendeu-se, posteriormente, aos sectores económicos, políticos e culturais. Inclusão é muitas vezes utilizada, genericamente, como sinónimo de integração e apresenta-se como um conceito antagónico ou contrário à exclusão e à diferenciação. De modo mais estrito, a inclusão é entendida como envolvendo indivíduos e grupos sociais, para além de abranger a colaboração mútua de todas as partes. Neste sentido, a integração surge como um conceito mais abrangente que envolve a relação entre atores coletivos e os diferentes sistemas sociais. A exclusão social é um processo de não participação económica, social e política de indivíduos e grupos, na sociedade onde estão inseridos, causado por fatores como discriminação económica, racial, cultural e outras.

Historicamente no Ocidente, a ideia de inclusão esteve associada, simultaneamente, à integração compulsória de povos dominados (conquistados, colonizados ou escravizados) à nação vencedora e à vontade/capacidade dessa nação integrar esses povos. Neste processo histórico, destacam-se duas perspetivas de integração — assimilação e segregação (entendida como desenvolvimento em paralelo) — que influenciam, até hoje, as políticas de inclusão mundiais. A atenção internacional crescente à inclusão advém dos fenómenos associados à globalização, à expansão das democracias e ao capitalismo ultraliberal que, apesar de ter diminuído o fosso entre os hemisférios Norte e Sul, criaram enormes bolsas de desigualdade em todos os países. A diversidade dos contextos de inclusão em cada país faz com que seja necessário ter em consideração os seguintes aspectos: 1. O ideal de uma sociedade inclusiva varia de país para país e de região para região; 2. Cada lugar tem a sua história, cultura, instituições e estruturas sociais; 3. O lugar onde se vive molda acessos e oportunidades a recursos.

Inclusão pró-ativa

As ações pró-ativas da inclusão assentam em quatro pressupostos: 1. É um direito humano fundamental; 2. Exige pensar a diferença e a diversidade; 3. Coloca em questão os sistemas sociais; 4. Ambiciona tornar-se um veículo de mudança social. O objetivo das ações inclusivas não é apagar a diferença mas fornecer a todos os indivíduos instrumentos que lhes permitam partilhar a cidadania e as oportunidades fornecidas pela sociedade onde se inserem. Com este intuito as instâncias internacionais, como a ONU, a UNESCO, o Banco Mundial, a União Europeia, têm vindo a desenvolver programas específicos, a nível local, regional e global, para a inclusão. Os programas desenhados por estas instituições, que remontam aos anos cinquenta do século XX, visaram estabelecer uma plataforma mínima de direitos e valores universais como a Carta das Nações Unidas (1945), a Carta da Organização das Nações para a Educação, a Ciência e a Cultura (1945), a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Social (1965). Outras instituições internacionais criadas para apoiar o desenvolvimento e a inclusão, como o Banco Mundial (1967) ou o Fundo Monetário Internacional (FMI), têm sucumbido perante interesses económicos e financeiros globais organizados. Assinala-se o Programme of Action of the World Summit for Social Development (UN, 1995) que, ao reconhecer os fracassos da integração social e o aumento das desigualdades e iniquidades mundiais, estabeleceu metas para a inclusão e o desenvolvimento. O Milenium Development Goals (UN, 2000) elegeu 8 objectivos prioritários: erradicar a extrema pobreza e a fome; promover a educação primária universal; promover a igualdade de género e o empoderamento das mulheres; reduzir a mortalidade infantil; promover a saúde materna; combater o HIV, malária e outras doenças endémicas; assegurar sustentabilidade ambiental; desenvolver parcerias globais para o desenvolvimento. Inúmeros problemas subsistem que excluem das sociedades onde vivem milhões de pessoas em função do sexo, idade, etnicidade, deficiências, religião/crenças, orientação sexual ou região geográfica onde habitam.

A União Europeia, como uma das regiões mais ricas do planeta, teve como um dos objectivos fundadores promover a coesão dos países membros por meio de políticas ativas de inclusão em áreas de atividade social específicas, como a Pobreza, o Desenvolvimento, a Educação, o Emprego, a Saúde e as Migrações. O European Observatory on National Policies for Combating Social Exclusion (1990) surgiu para monitorizar, em todos os países integrantes, os direitos sociais de cidadania, o acesso a um padrão básico de vida, bem como a participação nas oportunidades sociais e económicas. No ano 2000 adotaram-se estratégias conjuntas e planos de desenvolvimento nacionais com vista a erradicar a pobreza e promover a inclusão na UE, até 2020, objetivo que sucumbiu perante a Grande Crise (2007/2008) e a implementação das políticas de austeridade. Após os recentes atentados em solo Europeu surgiram programas com vista a minorar a exclusão e a promover a inclusão social acentuando a educação para a diversidade, tolerância e responsabilidade cívica.

Análise crítica

A inclusão é um conceito controverso e ambíguo posto em causa por diversos quadrantes teóricos e ideológicos. Para alguns, inclusão comporta sempre uma perspetiva de dominação, na medida em que, à partida, envolve a definição de um padrão de normalidade e aquilo que ele exclui ou inclui. Esta visão está acoplada, por exemplo, aos Estudos Pós-coloniais e à crítica que fazem ao domínio ocidental e à prevalência de um sistema-mundo, capitalista, patriarcal, colonial e moderno, homogeneizador de estilos de vida (Grosfoguel, 2008). Outras correntes críticas vão no sentido de discutir a “bondade” da inclusão e reivindicar a exclusão como resiliência a padrões societais dominantes (Moller & Espanha, 2002).

 

 

Referências:

Grosfoguel, R. (2008) Para descolonizar os estudos de economia política e os estudos pós-coloniais: Transmodernidade, pensamento de fronteira e colonialidade global, Revista Crítica de Ciências Sociais, 80, Março 2008: 115-147.

Luhmann, N. (1997) Die Gesellschaft der Gesellschaft I und II. Frankfurt am Main: Suhrkamp.

Moller, I.H. e Hespanha, P. (2002) Padrões de exclusão e estratégias pessoais, Revista Crítica de Ciências Sociais, 64, Dezembro 2002: 55-79.

 

 

Isabel Ferin Cunha

Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra